Swell inesquecível

Sandro Lyrio lembra do dia em que registrou uma ondulação épica na capital baiana


No dia 23 de maio de 2005, a Praia da Corrente proporcionou momentos inesquecíveis. Foto: Sandro Lyrio.


Em algumas ocasiões, o SurfBahia publicou fotos que fiz há muitos anos de um dia histórico de surf no litoral norte baiano. Um daqueles dias raros que não se repete com frequência, mas que sabemos que todo pico de surf por aí tem. “Um dia para não esquecer”.

Ao longo dos anos, essas fotos ficaram conhecidas na Bahia devido à perfeição das ondas, mas, ao mesmo tempo, acabaram gerando polêmica de que não foram feitas em Salvador. Até o campeão mundial Adriano de Souza já chegou a fazer uma brincadeira no Instagram do SurfBahia (risos).

Se parece bom demais pra ser verdade, ou nesse caso, bom demais para ser Salvador, de fato tenho explicações a dar. Não que a foto seja mentira. A foto realmente é do Pico da Corrente, mas existe uma história por trás dessas imagens.

Quero começar a história pedindo que levem em consideração que isso foi em 2005. A era da fotografia digital estava ainda no início, principalmente para quem não tinha dinheiro para equipamentos. Na verdade, dei muita sorte. Eu tinha acabado de comprar a minha primeira câmera digital algumas semanas antes desse swell.

A câmera chegou pelos correios por volta do dia 20 de maio e eu não tinha nem lido o manual ainda, mas o swell estava ali e eu não tinha tempo a perder. Só que tinha um desafio... além de a câmera ter apenas 2 mega pixels, o cartão de memória extra de 64MB que eu tinha comprado ainda não tinha chegado.

A máquina tinha vindo com um cartão de 16MB e eu não conhecia ninguém que pudesse emprestar um outro cartão. Pelo menos a câmera era uma Canon e isso ajudou um pouco na qualidade das fotos que consegui fazer. A questão era que com só 16MB de memória, e cada foto na resolução máxima ocupando cerca de 1MB, eu sabia que não teria a oportunidade de fazer muito mais do que uma dúzia de imagens.

Alguma semelhança com Jeffreys Bay? Foto: Sandro Lyrio.


A Foto

Eu esperei por 10 anos pra tirar essa foto. Aos 15 anos de idade, fui morar na Praia do Flamengo e o caminho que eu fazia de bicicleta para a escola, passava exatamente por onde tirei essa foto. Nesse trajeto eu via a onda de uma perspectiva lateral, o que criava a ilusão de ser uma onda muito extensa. Na primeira vez em que vi quebrando perfeito desse ângulo, pensei exatamente o que Adriano de Souza comentou quando viu a foto no Instagram do SurfBahia: “Jeffreys Bay”!!

As pedras na beira, o ângulo que a onda parecia entrar acompanhando a bancada, o terral e até a cor da água... eu fiquei perplexo. Era exatamente como Jeffreys, só que não. A onda da Corrente na verdade me lembra muito Rocky Point, no Havaí. Acho as duas ondas extremamente parecidas em vários aspectos.

O que acontece é que a direta da Corrente tem dois picos (muito parecido com o que acontece com as direitas de Rocky's e Gas Chambers). Visto de lado, olhando do estacionamento do Padang, os dois picos parecem ser a continuação da mesma onda.

Analisando a foto, a onda de trás é o drop do Pico da Corrente e a onda da frente é a onda da Segunda Bolha. Não é o mesmo pico, mas, visto de lado, parecem ser uma única onda extensa, assim como as fotos que vemos de J-Bay.

Na verdade, as duas ondas raramente conectam. Em ocasiões especiais de swell de sul, uma onda ou outra cruza toda a extensão da bancada, e mesmo assim, a nível internacional, não dá pra considerar a corrente uma onda extensa. Intensa, sem dúvida, mas eu não chamaria de extensa.

O fato é que a Corrente é uma onda querida por mim e por outras pessoas especiais na minha vida. Eu queria muito criar a oportunidade de registrar a Corrente do que eu considero ser o seu melhor ângulo, e por isso a foto não foi por acaso.

Auro Pisani em uma onda intermediária da série naquele dia. Foto: Sandro Lyrio.


Naquele dia, saí de casa esperançoso em conseguir bater essa foto. Eu sabia que as condições eram extremamente favoráveis. Deu trabalho. Tive que lutar contra a ansiedade de esperar algumas séries passarem sem tirar fotos para não encher o cartão de memória. Eu precisava que uma série encaixasse no lugar certo. Finalmente uma série entrou encaixada e fiz o registro. Foi uma sensação fantástica olhar para a tela daquela câmera e ver a imagem que antes existia só na minha cabeça. Foi realizador.

Consegui tirar mais algumas fotos. Infelizmente poucas pessoas estavam surfando e todo mundo na água estava com pranchas pequenas demais. As maiores da série no tempo em que passei fotografando sempre vinham sem ninguém. As pessoas remavam com tudo, mas era muita onda pra pouca prancha e não conseguiam entrar nas ondas.

Acabei fazendo uma foto de Auro Pisani em uma das intermediárias, e essa é a única foto que tem uma boa referência de tamanho. Mesmo assim, a onda é facilmente dois dele. Mas acreditem quando digo que as ondas das fotos são muito maiores do que parecem. Principalmente a foto preta e branca da esquerda da laje do outside do Padang (não é do Platô que estou falando).

A Bahia (Norte e Sul) é repleta de ondas incríveis. Eu estou na minha décima primeira temporada havaiana e posso dizer que já surfei ondas épicas na Bahia. Ondas grandes e de peso. É verdade que o litoral norte da Bahia é muito desfavorecido de bons ventos. Chega a ser muito frustrante. Eu bem sei.

Mas o fato é que nos dias especiais, não importa o quanto eu tenha viajado na vida para pegar onda ou onde eu tenha ido. Surfar um swell épico nos picos onde cresci será sempre muito especial para mim. Principalmente porque, nos dias bons, as ondas de casa fariam a cabeça de qualquer surfista desse mundão.

Esse não foi o último swell histórico que vimos, e pra dizer a verdade, lembro de outros incríveis depois desse. O mais memorável para mim foi um que tem umas fotos de Heloy Junior no Farol de Itapuã com água cristalina.

Valeu, galera. Espero que tenham curtido essa história. Aloha para todos!

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