Boipeba até Barra

Márcio Torres relata sua aventura no quarto capítulo de sua travessia entre Morro de São Paulo e Porto Seguro


Acho que foi um dos momentos mais lindos da viagem, as águas da Ilha de Boipeba são cristalinas, sua vegetação se debruça sobre o mar, uma composição perfeita e harmoniosa de coqueiros, mato e amendoeiras. Somando tudo isso a explosão de cores da aurora, dá pra imaginar o que sentíamos?

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Os barcos bailavam flutuando no mar de cristal, só ouvíamos os sons da natureza e dos nossos remos que executavam seu trabalho. E não demorou para chegarmos na Praia de Castelhanos, a última da Ilha de Boipeba, de onde avistamos a Ponta de Serinhaém. A Ilha de Quiepe estava lá também, uma pequenina sombra no meio do mar, que denunciava a entrada da Baía de Camamu, a terceira maior do nosso país.

Entre Boipeba e a Baía de Camamu, faríamos uma viagem de aproximadamente vinte quilômetros navegando em linha reta e ignorando a grande curva acentuada pela geografia. Observei no GPS e percebi que no meio do caminho estaríamos a quase doze quilômetros da costa. Como o mar estava calmo e o vento favorável, decidimos seguir mesmo em linha reta, num traçado teoricamente mais curto, mas que poderia nos render algumas surpresas.

Foi uma longa travessia, a primeira sem variações na paisagem. A viagem se tornou mais cansativa e monótona e na medida em que avançávamos nos distanciávamos da terra. Num dado momento, observei no GPS e estávamos a quase treze quilômetros da costa, o silêncio era total, o mar mudara de coloração e um azul quase roxo tornava o ambiente mais sinistro e perigoso. Mantivemos firme o rumo e com muita força e disciplina nos aproximamos da ilha de Quiepe e nesse momento, distante doze quilômetros do continente.

Aproveitamos pra comer uma barra de proteína cada um e nos hidratamos um pouco. Nossa parada não durou dez minutos, quando olhei pra Serinhaém e tomei um grande susto! Havíamos sido arrastados pro oceano aberto. Olhei pra Quiepe e estávamos além dela, da última porção de terra que tínhamos mais perto de nós. Consultei o GPS e constatei que fomos arrastados por quase seis quilômetros mar adentro. Estávamos a quase dezoito quilômetros de Serinhaém e a cinco de Quiepe.

- Hamiltinho, rema forte que a maré de vazante da Baía de Camamu nos arrastou pra fora!

E apontamos nossas proas pra Serinhaém, numa batalha cruel e infrutífera contra o oceano. Dez minutos depois, olhei novamente o GPS e constatei que estávamos remando à toa. Um quilômetro pra trás foi o produto do nosso último esforço. Quiepe tava ficando pequenina aos nossos olhos e nesse momento o coração batia acelerado. Hamiltinho estava com ombro lesionado, não podia remar com a mesma intensidade que eu e acabou ficando pra trás. Foi quando pensei que deveria parar de remar contra a maré. Se havia alguma chance, seria remando de maneira perpendicular para Quiepe ou de volta para Boipeba. E naturalmente em função da distância e de querer remar sempre pra frente rumo a Porto Seguro, mirei minha proa para Quiepe.

Os celulares estavam sem bateria, portanto, não havia nenhum tipo de comunicação com terra. Então, coloquei toda minha força nas remadas e por quase vinte minutos não medi a distância. Mantinha Hamiltinho no meu campo de visão, mas ele estava cada vez mais longe. Quando parei e usei novamente o GPS, observei que havia avançado um quilômetro. Remando perpendicularmente, havia saído da linha de força da maré. Decidi parar e esperar Hamiltinho, enquanto observava no GPS se estava sendo arrastado pra fora, obtendo uma compreensão maior sobre a força da corrente contrária.

Quando Hamiltinho chegou, observei em seu semblante uma expressão séria e cansada, estava exausto e preocupado. Seu ombro doía bastante e decidi acalmá-lo transmitindo as informações sobre o avanço que havíamos conquistado remando diretamente para Quiepe. Consultei novamente o GPS e percebi que a corrente nos afastava da terra, mas não de Quiepe, portanto, estávamos no caminho certo. Apesar de muito distantes da terra, mantivemos a mente mais serena e confiando nas nossas remadas, seguimos firme por quase duas horas até nosso destino.

Essa ilha é uma propriedade particular e sempre esteve nos meus sonhos juvenis. Havia ondas perfeitas? Como seria? Sempre quis visitá-la, mas realmente nunca me imaginei chegando lá naquelas condições. Dois quase náufragos aportaram num grande banco de areia, a parte noroeste da ilha virada para o continente.

Não sabemos de onde tiramos força pra arrastar nossos caiaques e quando o fizemos, desabamos na areia e nela ficamos um tempo pra restabelecer nossas forças. Deixei Hamiltinho lá e fui tentar contato com os caseiros da ilha, com o objetivo de obter autorização para pernoitar acampados. Bati palmas, chamei muitas vezes, mas ninguém apareceu, então retornei até o banco de areia.

- Torre, o caseiro me disse que podemos falar com o gerente da ilha que ta naquela torre ali de vigília, ele acha que agente consegue acampar aqui numa boa, o cara foi legal.

- Então vamos lá falar com ele!

- Não filho, tô legal, bora logo pra Barra Grande que é o nosso destino final hoje, não é?

Meu parceiro é um cara casca grossa mesmo, tava com o corpo quebrado, o ombro lhe doía bastante, mas não queria abrir mão do planejado. Consultei mais uma vez o GPS, estávamos a seis quilômetros e meio da Ponta do Mutá e a nove de Barra Grande. A maré já havia virado, portanto seria uma remada tranqüila e empurrados pela enchente, miramos nosso destino inicial, Ponta do Mutá.

Seguimos em ritmo de passeio e curtindo o visual, ondulações gordas de um metro contribuíam para nosso avanço. Sem sustos adentramos na Baía de Camamu, deixamos a Ponta do Mutá a bombordo e seguimos em linha reta para Barra Grande.
A paisagem fantástica voltou a nos instigar, a cada cem metros muitas novidades e ângulos cada vez mais bonitos renovavam nosso ânimo. Aportamos na prainha da vila de Barra Grande às 14h35min, após oito horas e trinta e cinco minutos de remada e quarenta quilômetros conquistados.

Encontrei uma pousadinha perto da praia e levamos os caiaques até ela. No dia seguinte, teríamos aproximadamente cinqüenta quilômetros até Itacaré, mar aberto com praias de arrebentação e fortes ondas. Comemos prato feito de peixe na pousada e demos uma volta na vila. À noite as muriçocas estavam com tudo e descobrimos uma grande incompatibilidade entre nós.

Hamiltinho tem rinite alérgica e sinusite, não pode com ventilador, tampouco ar-condicionado. Mas mesmo no calor, se cobre todo e consegue fugir das muriçocas, mas não da insônia que o assola. Por outro lado, eu sinto muito calor e não consigo me cobrir sem ventilador ou ar-condicionado, portanto, fui comido literalmente pelas vorazes muriçocas de Barra Grande e não consegui dormir direito, o meu descanso havia ido pro beleléu.

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