
Enrustindo o pico
Nosso colunista Lalo Giudice comenta sobre a divulgação dos picos de surfe na Bahia
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"Litoral norte" bombando no swell da última segunda-feira (20/5). Foto: Adailton Rocha |
Estamos quase na metade do ano, os três primeiros meses de verão pareciam que não acabariam nunca, praticamente flat, mas já foram deletados de nossa memória, graças a um outono repleto de ondulações e melhor do que isso, muitos dias sem vento. Quando este dava o ar da graça, era terral, portanto vamos comemorar.
Me lembro de no mínimo cinco grandes galerias de fotos em um período curto, que vai de meados de março até hoje. A Bahia realmente quebrou de gala. Vamos comemorar, quantas vezes for preciso, ser redundante, pois não é todo dia que isso acontece.
E a última segunda-feira (20/5) foi mais um dia daqueles abençoado por todos os deuses dos mares que se pode imaginar e acreditar. Fiz meu fim de tarde aqui na frente de casa, por sinal estava clássico e voltei pra casa em extâse, como todo amante do esporte, que pode aproveitar mais um belo dia de surf.
Ao abrir meu WhatsApp, me deparei com inúmeras mensagens de vários grupos distintos, com um único assunto em comum, o swell do dia. Misturadas em inúmeras fotos, áudios e mensagens longas, uma polêmica que me chamou bastante atenção. Um surfista teria postado um vídeo de um pico considerado emblemático e não citou o nome do lugar, o que gerou revolta por parte de alguns. Por outro lado, outro surfista havia postado uma foto com o nome do lugar, o que gerou muita indignação por parte de outros, que preferiam ocultar essa "informação desnecessária".
Este tema em questão, junto com outro assunto polêmico, o localismo, estão sempre entre as conversas mais faladas nos grupos informais de WhatsApp de um surfista. Nesta coluna não entrarei, de certo modo, no víéis do localismo, deixando esse tema para outra ocasião. Avançarei no que diz respeito a ocultação ou não dos picos de nossa costa, nas mídias sociais, sites, canais especializados, dando é claro, a minha opinião sobre o assunto.
Pra começar, apenas um esclarecimento. Não citarei o nome de nenhum pico, evitando assim qualquer aborrecimento maior. O intuito apenas é refletir, tomar conhecimento de alguma forma em mostrar uma linha de raciocínio que a meu ver, é a favor do esporte.
Acredito que qualquer pessoa tem o direito de escrever e postar o que quiser e bem entender. Somos livres. Inclusive, acho também que as mídias relacionadas ao surf deveriam, principalmente, colocar o nome do local que está publicando aquela foto. Afinal de contas, por que está publicando? Qual o motivo real que não se pode divulgar o local da foto? Uma lei federal ou a pressão de um minoria?
O fato é que tem alguns lugares no Brasil e no mundo, que não deixam entrar nem com máquina. Como exemplos, uma esquerda, logo saindo da cidade do Rio de Janeiro e uma onda em Santa Catarina, que ficou famosa no Brasil ao deixar uma etapa de Pro Junior acontecer por lá, depois de muita polêmica. É muito diferente não querer divulgar um lugar, proibindo a fotografia, do que liberar a sessão de fotos, ocultando o nome do pico. Afinal de contas, a explanação já foi feita e todo mundo vai saber onde é a bendita foto, sem adiantar colocar em algum lugar do litoral. Chega a ser ridículo, em meu entendimento.
Várias são as justificativas para este tipo de ação. Dentre as mais cogitadas, a pretensão de surfar sem crowd, em um swell raro, em um pico secreto, mas que de secreto não tem absolutamente nada, chegando a ser um afronte a intelectualidade de nós, seres humanos pensantes.
Olhando para Austrália, Hawaii e até nosso vizinho sul-americano, o Peru, conseguimos enxergar uma imensidão de picos, onde os conhecidos secret spots existem, mas servem como válvula de escape dos picos mais badalados e consequentemente com maior potencial de surfe. Na Austrália, todos conhecem Kirra, Burleigh, Lennox, as bancadas de Sydney, Dee Why, Ozzie Pipe, mais ao sul, Bells, Wink, além de toda costa oeste, com infinitos picos famosíssimos. No Hawaii a mesma coisa, além de Taiti, ou vocês conhecem algum secret melhor do que Teahupoo? Ou no North Shore, tem alguma onda mais tubular que Pipe? Algum secret perto? Duvido. Skeleton Bay é na Namibia e ninguem coloca: em algum lugar da África. Chega a ser patético se fizerem isso.
Não preciso nem ir tão longe. Neste mesmo outono, vi inúmeras imagens de Maresias, em São Paulo, Barrinha em Saquarema, Joaquina e Campeche em Santa Catarina, Matinhos no Paraná e por aí vai. Todas ondas muito bem divulgadas, consagradas e honradas pelos seus surfistas locais, sendo feita devida questão de se divulgar sua onda, sua casa.
Aqui na Bahia soa um pouco diferente essa estatistica. Temos muito pouca ondulação de qualidade, aliado a ventos constantes durante o ano, devido é claro, a nossa posição geográfica e os poucos picos que temos bons, tentam transformar de alguma forma em um inexistente secret.
Como pode nossos melhores picos, que chegam a ter nível internacional com a combinação certa de swell e vento, ser ocultados pela limitação, incongruências e egoísmo de uma minoria, que na maioria dos casos, nem vivem do esporte?
O mais curioso nisso tudo é que sempre quando entra uma ondulação maior, com um certo peso, quem sempre pegas as melhores são os verdadeiros locais. Independente do crowd ou não, até por que quando sobe, o crowd diminui bastante, os mais bem preparados, os free surfers diários e principalmente os competidores, que estão com a remada em dia, desfrutam sempre e irão desfrutar a vida toda, das melhores ondas do pico.
Engraçado que fazendo uma conta rápida, de 365 dias que temos no ano, se colocarmos que as ondas quebrem igual a ontem, 25 dias no ano , não da nem 7 por cento, em onda boa, que temos o ano inteiro, o que indica um índice de mar muito ruim. E quanto aos 7 por cento, não pode ser divulgado ou se tem uma divulgação não conota a notoriedade que o lugar merece. Ridiculo.
Outro fato pertinente é que 90 por cento dos reclamantes ou ocultadores dos picos baianos, tem mais de 30 anos de idade, surfa por hobby e em sua grande maioria, não está com a remada em dia para determinada condição de onda. Um dos grandes motivos para querer tanto surfar só. Se contente ou treine, simples.
Olha as fotos que Bino Lopes tirou ontem, "no litoral norte baiano" e compara com o resto do pessoal. Parecia outro dia, outro mar. Assim foram outras vezes também, neste período de outono. As melhores fotos com quem está com o surf em dia, remada, disposição, atitude, respeito. Vai pegar todas em qualquer lugar do mundo com qualquer crowd, ou você acha que Dennis Tihara desce as bombas da onda mais famosa do mundo, Pipeline, como? Faça-me uma garapa.
Me recordo uma vez, em 2002, onde levei Marcelo Trekinho e Bruno Santos para surfar um pico próximo a Genipabu. Foram 3 dias de ondas clássicas, 4 a 6 pés só tubo. Ficaram impressionados com a qualidade do lugar, comparando com Catalina, no Panamá. Neste dia estava Mandinho, André Teixeira, Bruno Pitanga e mais uma boa galera. Saimos e ficamos comemorando a semana toda. De lá pra cá eles nunca mais voltaram. Aqui é tão perto do Rio. Não consigo entender.
Tivemos dois mundiais de surf no litoral norte baiano. Depois de muita pressão para ter o evento pela qualidade das ondas do lugar e hotelaria, os eventos aconteceram. Vocês lembram do mar? Um pior do que o outro.
Penso um pouco diferente de muita gente. Acredito que uma boa parte de surfistas com um pouco mais de vivência, que realmente tratam o mar ou a praia como o seu meio de vida, tenha uma cabeça um pouco mais aberta apara esse tipo de situação, talvez mais parecida com a minha, dirás Franklin Serpa, que mora em frente a uma das melhores direitas que temos, no sul da Bahia e em um dia de altas ondas em seu pico, ano passado, com direito a dois tubos por onda, ficava incentivando e liberando as melhores ondas para gente. Depois a melhor sempre vinha para ele. Lei da sabedoria, remada, competência, educação. Quem surfa se impõe com surf, não com grito.
Sem falar que tem um baita hotel, que está fechado por sinal, na beira deste pico fantástico. Se fosse explanado, poderia virar um pico de surf sustentável.
Acredito que a educação está acima de qualquer coisa. Não dá pra chegar em Maccarronis e Lances Right, respeitar uma super fila, quase que indiana e aqui fazer mangue ou querer ocultar o nome de nossas relíquias.
Se o surfista souber chegar, tiver competência para se impor dentro do mar, vai pegar as melhores ondas como em qualquer lugar do mundo. Pensando de uma forma diferente, estamos sendo mesquinhos e egoístas com o crescimento do esporte, social e até mesmo econômico. Quando falamos que somos de uma tribo, serve apenas de metáfora para explicar as singularidades e particularidades que possui nosso esporte. O surf é um esporte individual, mas ninguém quer surfar sozinho. As ondas, as bancadas, estão todas aí, divulgue o litoral Sul ou litoral norte bombando e verás se terá realmente crowd, ainda mais na Bahia.
Sou a favor de mostrar o que temos, nossa cultura, nosso esporte, nossas ondas. Obrigado Itacaré, por mostrar diariamente os tubos ocos da Tiririca quase o ano todo e divulgar para nós do Brasil todo, uma das maiores Surf City do país. Outra cabeça.
Pra finalizar, tem um secret também, um outter reef, lá perto do Farol da Barra, que em quase 50 anos de surf no estado da Bahia, apenas um registro foi feito e é claro, sem divulgar o nome desse pico. Curioso que só foi uma vez em quase 50 anos. Será que tá faltando remada para chegar lá, jet ski, equipamento ou condição de surf mesmo?
Enquanto esse dia não chega, vamos de Dorival Caymmi, mostrando realmente o que que a Bahia tem, porque de onda, não sabemos ao certo ou não querem contar.
O que que a Bahia tem?
Sandália enfeitada, tem
Tem saia engomada, tem
Senhor do Bonfim, tem
Tem pano da Costa , tem
Tem onda escondida , tem