Covid x surf

Alexandre Piza comenta postura da sociedade em relação às orientações do isolamento social nas praias de Salvador


Em meio a essa pandemia maluca que estamos vivendo, talvez não seja nem correto o termo “em meio”, pois nem sabemos se ainda é o começo e se ainda pode piorar com novos vírus, mutações do COVID-19 ou ondas mais severas de infectados.

A questão aqui é tentar segmentar um pouco junto a questão do surf e focar mais na especificidade regional de Salvador e picos próximos.

Com o decreto de interdição das praias da orla de Salvador, os trechos mais urbanos como Barra, Ondina, Jardim de Alah e Jaguaribe, logo foram esvaziados e a prática do surf dizimada na maioria dos dias.

Raramente se viam furões desafiando a ordem pública e em geral, o surf a partir do fim de março, teve seu índice de assiduidade bem baixo. Só que esses fatos iniciais conjuminaram com uma frente fria que durou vários dias, com muito vento, mar storm e pouquíssimas condições de surf.

Claro, a perplexidade de toda população com o alto risco de contágio, pessoas morrendo no mundo todo, os noticiários escorrendo sangue e catarro pela tela, deixaram todos com um medo e respeito enorme sobre o tema, ou seja, ninguém saiu mesmo de casa.

Neste momento (5/6), os índices apontam o Brasil como um “campeão” de contágio e como um futuro campeão no número de mortes. Pelo menos isso é que a imprensa nos mostra. Ilustramos aqui esses dados para talvez tentarmos entender se nosso “vício” de surfar vai também, futuramente, nos prejudicar de forma grave.

Bom, retomando...

Conforme os dias e semanas foram se passando, uma informação preciosa foi correndo os ouvidos dos surfistas: Stella Maris e região eram picos não fiscalizados e a galera local estava surfando “normalmente”. Nossa, que dádiva! A galera toda presa em casa, já brigando no matrimônio, de saco cheio de lives com artistas desafinando, loucos para sair de casa, uma notícia dessas foi como uma luz no fim do “tubo”. "O surf é a salvação! Bora invadir as praias ao norte da cidade!"

Eis então que Secret, Corrente, Padang, Aleluia, Ipitanga, Vilas e até Busca Vida enfrentaram um crowd poucas vezes visto, já que a cidade e região metropolitana tiveram poucos picos “disponíveis” para o surf.

Muitos conflitos entre locais e moradores de outras regiões foram registrados, mas a principal questão era mesmo a aglomeração causada nas areias e nos estacionamentos próximos a esses points. E isso começou a chamar a atenção das autoridades, dos fofoqueiros de plantão e da sociedade como um todo, que a partir de então, rotulou a prática do surf como uma atividade de risco para a propagação do coronavírus. Claro, ninguém agüentava ver diversão em meio ao caos, seja ela nociva ou saudável. A ordem do momento é “entristecer” (só que não).

Criou-se um ambiente bem desconfortável, onde cada grupo defendia seu ponto de vista.

Os locais dessas praias pregavam que a vinda dos “forasteiros” era que gerava aglomeração, que então devia-se restringir o acesso e permitir que apenas moradores utilizassem a praia para prática de esportes, como surf, corrida e caminhada.

A galera de fora acredita que apenas por serem moradores das praias, os locais não poderiam ter esse “direito” de não permitir o livre acesso dos demais em território determinado, e que também tinha direito à prática de esportes, e consequentemente, acesso ao surf e outras modalidades praieiras.

Os não praticantes de esportes e os que acataram 100% a recomendação de quarentena formaram um grupo forte e coeso. Começaram a usar as redes sociais e a fazer denúncias para órgãos competentes para detonar a galera que insistia em pisar na areia e rumar para o outside.

Vamos fazer mais uma pequena pausa aqui para ilustrar mais um ponto. Não precisa nem ir muito longe, basta passar pela Avenida Dorival Caymmi em horário comercial e constatar que, de quarentena, muitos bairros não têm é nada. Entretanto, como no início do texto, dissemos que os índices apontam para que o Brasil se torne um campeão de mortes e infectados, não podemos nos nivelar por baixo e usar como desculpa pólos populacionais que estão se comportando sem praticamente nenhuma prevenção. Esse ponto é só para ilustrar que pegar no pé do surf antes de ajustar tantos outros mais graves, soa muito como frenesi de hipocrisia e autopromoção em mídia social.

Através dessa força coesa da população mais zelosa (muitos deles, os fofoqueiros de plantão), foram tomadas então atitudes tão explícitas, que o poder público se sensibilizou e no fim de maio, tivemos Polícia Militar, Guarda Municipal, Salva-Mar e SEDUR vindo com tudo para a região de Stella Maris com a missão de mandar de volta pra casa os freqüentadores do mar e das areias, sejam praticantes de esportes ou não.

Ou seja, até esse momento, o que “venceria” era mesmo o pessoal mais intransigente e que encara a prática de esporte ao ar livre como um risco muito alto no que tange a propagação do coronavírus.

A partir desse capítulo desencadeia-se um novo embate entre principalmente os surfistas locais e a sociedade local desses bairros que se intitulam “organizadas” nas redes sociais. Onde o ponto de discórdia principal é justamente que o surf está gerando uma aglomeração excessiva, colocando em risco os moradores do bairro. E mais: que os surfistas que vêm de fora poderiam vir infectados, somando mais ainda um índice de risco de contaminação.

Alarmismo excessivo? Paranóia? Histeria coletiva? Ou simplesmente um capricho ao tirar a liberdade de esportistas em praticar suas atividades ao ar livre? Qual a sua opinião sobre o tema?

A grande realidade é que, mesmo após as incursões das forças públicas, os picos continuam crowdeados. O pessoal de fora que está vindo de outras praias aglomera-se próximo aos carros, vem à praia com 4 pessoas dentro de seus carros e não faz a menor cerimônia para sequer “disfarçar” que está colaborando com algum tipo de distanciamento social. A impressão que dá é “Ah, se meu pico foi fechado, que se dane se esse fechar também”.

Os surfistas locais, em sua grande maioria, estão indo à praia caminhando, sozinhos, e mantendo o distanciamento recomendado, tanto dentro como fora da água. Muitos deles se mobilizando e tentando dialogar com perfis midiáticos que insistem em detonar a prática dos esportes ao ar livre como um foco de aglomeração.

Em vez de olharem para dentro dos bairros, onde churrascos e bebedeiras acontecem ao ar livre, resolveram polarizar no surf um vilão dentre outros tão infinitamente mais nocivos.

Ou seja, até o momento ainda não temos “harmonia” entre esses grupos e a situação é bem sensível, colocando em risco tanto a questão grave da pandemia, como o entendimento e respeito mútuo entre as partes. Para haver harmonia, todos precisarão ceder. A pergunta é: quem vai abrir mão do quê? É a vida que está em jogo?

*O conteúdo desta obra é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do SurfBahia

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