Talento bruto

Nosso colunista Lalo Giudice conta a história competitiva do ilheense Rudá Carvalho


No dia 26 de fevereiro de 1988, em um dia absolutamente normal, nascia mais um cidadão ilheense, dentre os 150.000 habitantes que tinham naquela época na cidade de Ilhéus. Filho de dona Lisete Teresinha de Oliveira e do Sr. Marco Antonio Galvão de Carvalho, Rudá de Oliveira Carvalho parecia que seria mais uma criança que levaria uma vida tranquila, no pacato distrito de Olivença, situada a 18 km ao sul da “Terra de Gabriela”. Naquele dia nascia sim uma das maiores promessas da história do surf baiano.

O início de tudo - Aos 3 anos de idade, influenciado pela mãe, Dona Lisete, Rudá teve seu primeiro contato com as ondas “já nas primeiras tentativas, percebemos que ele levava muito jeito e não se intimidava com os “caldinhos” que já tomava, além de que sempre queria surfar mais e mais. Todos falavam que ele tinha muito talento e que poderia ser o novo Jojó de Olivença daqui da cidade, foi aí que tudo começou”, explicou dona Lisete.

A partir de então, Rudá começou a dividir sua rotina diária entre a escola pela manhã e o surfe a tarde. O molejo, a facilidade para dominar a prancha, além de muita velocidade, chamava atenção dos surfistas mais velhos e algumas personalidades locais, que começaram a enxergar naquele garotinho um futuro promissor.

As competições – Aos 10 anos de idade, o talento do pequenino de Olivença já aflorava e era notório que Rudá Carvalho precisava de desafios maiores, já que apenas participava de eventos internos por Olivença e Ilhéus, onde ganhava absolutamente tudo. Quem ia surfar no Backdoor no fim dos anos 90 e inicio dos ano 2000, via um garotinho que surfava além da conta, parecendo mais um Taj Burrow da época.

O primeiro título estadual veio com ainda 12 anos, com muita facilidade, parecia que esse diamantezinho não precisaria ser lapidado nunca. Velocidade, comprometimento, progressividade além de sua época, faziam de Rudá uma estrela em ascensão. Porém, como ainda era muito novo, precisava de um tutor para acompanha-lo nas viagens dentro do estado e fora, nos antigos eventos da Abrasa (Associação Brasileira de Surf Amador).

O técnico - Soteropolitano residente em Ilhéus, competidor dos anos 80, Gabriel Macedo já trabalhava como técnico de alguns surfistas mais velhos como Dennis Tihara, Patrick Coelho, Junior Bohana, Bruno Galini, entre outros, além disso era técnico da equipe baiana que disputava o Circuito Brasileiro Amador da época. Surgiu então a oportunidade de treinar em paralelo Rudá Carvalho, já que Macedo também estava morando em Ilhéus e a logistica ficaria perfeita para Rudá nessa época, que tinha apenas 13 anos de idade.

Com um talento fora de série, unido a uma preparação adequada do mestre Macedo, os resultados começaram a vir com mais facilidade ainda. Em 2003, com uma praia do Barravento lotada, recém completados 15 anos de idade, parou o público fazendo duas notas 10 na final da categoria Mirim. Naquele mesmo ano foi vice campeão brasileiro da categoria. Voltou a ser campeão baiano novamente pelo anos seguinte. Ao se tornar Junior, foi chamado para um evento especial com os melhores atletas juniores do Brasil, entre os quais estavam Adriano de Souza, Pablo Paulino, William Cardoso, entre outros. Ainda amador, com 17 anos, ganhou uma etapa do Baiano Profissional em Stella Maris, colocando todos os outros atletas da grande final em combinação. Neste mesmo ano fez uma final do Nordestino Pro no Ceará, mostrando que a transição para a categoria Profissional seria completamente natural.

A carreira como profissional - Aos 17 anos de idade, o ainda Junior Rudá Carvalho acabara de virar profissional. Naquele momento finalizava sua carreira de amador como campeão baiano Junior e vice campeão estadual Profissional. Já era conhecido em todo Brasil por diversos apelidos, devido a velocidade e domínio sobre a prancha. “A Máquina, O Fenômeno de Ilhéus, O Caboco de Olivença” eram um dos apelidos que os locutores dos eventos o chamavam. Os treinamentos com o técnico Gabriel Macedo continuavam intensos, mas Ruda, já que estava viajando por todo brasil, precisava de um agente, alguém que cuidasse da parte burocrática de viagens e eventos. Foi aí que Felipe Freitas, empresário e produtor de eventos, começou a agenciar a carreira de Rudá. Como já era de se esperar, os resultados começaram aparecer. Foram inúmeras vitórias em baianos profissionais, três vitórias em etapas de Nordestino Pro, um vice campeonato no QS de Xangri la, nível 5 Estrela na época , uma 5º colocação no ISA Games do Panamá, além do titulo inédito de campeão Pan-Americano de Surf Profissional.

Por três temporadas e meia, Rudá Carvalho participou por completo do Circuito Mundial da divisão de acesso (WQS), fazendo grandes baterias na Europa, Hawaii e Brasil, sendo vice campeão do QS Super Surf 5 Star no Rio Grande do Sul, onde liderou a bateria toda, sendo superado por Odirley Coutinho no último minuto.

A perda do patrocínio e o nascimento do filho – As viagens e conexões demoradas, muito tempo fora de casa, além de um alto custo para correr o circuito inteiro, adicionado a uma contusão que o afastou por 6 meses, fizeram com que Rudá se desmotivasse e largasse o Circuito Mundial.

"Era muito desgastante ter que enfrentar todas aquelas viagens e eventos, ainda mais com o dinheiro contado. Íamos com a obrigação de ter que fazer um dinheiro de premiação, caso contrario, ficava tudo muito caro. Dessa forma que íamos não tínhamos como fazer um bom trabalho, pois nossa cabeça não estava em surfar bem e sim, ter que passar as baterias pra pagar as contas, dessa forma não funcionava", comenta Rudá.

Com a perda de seu patrocinador principal e o nascimento de seu filho, aliados a crise financeira que se instalou no país, fazendo com que não houvesse mais eventos nacionais e regionais no Brasil, Rudá passou a participar apenas de eventos estaduais e viver em função de sua família esposa e filho. Neste ano, mesmo sem alguma motivação e sem prancha, ainda sagrou se campeão estadual profissional. “Competi em 2015 com pranchas emprestadas e dadas. Minha amiga Silvana Lima me deu uma e Bino Lopes também me deu uma, para que eu pudesse surfar", desabafa Rudá.

A mudança para Salvador e a ida para o Hawaii - No final de 2015, já com filho, Rudá decidiu vir morar em Salvador devido a melhores oportunidades de emprego e escola para seu filho Kauai. Assim que chegou, já tratou de arrumar um emprego e até arrumou um patrocínio, que possibilitou correr todos eventos importantes dentro do Brasil. Voltando ao rip, fez um vice campeonato na primeira etapa do Baiano Pro de 2016, um 9º na primeira etapa do Paulista Pro e um 13º na etapa do WQS realizada em Praia do Forte. No trabalho, as coisas também iam bem. Virou gerente com apenas 4 meses de empresa, assumindo um cargo de muita responsabilidade dento da organização, além de ter o horário flexível devido a agenda de competições. Em outubro do mesmo ano, recebeu um convite do seu conterrâneo e amigo, Yuri Soledade, para ir trabalhar no Hawaii, mais precisamente na ilha de Maui.

"Quando surgiu a oportunidade de ir para o Hawaii não pensamos duas vezes. Além da qualidade de vida e ir já com um trabalho certo, o ponto principal que estamos buscando é o crescimento de nosso filho com segurança e educação, pois nosso país está um caos" conclui o ilheense.
Hoje, aos 30 anos de idade, já residente há quase 2 anos, Rudá trabalha em um restaurante todos os dias. Nos horários livres aproveita para surfar com sua família e desfrutar de toda beleza natural do Hawaii.

“Só tenho que agradecer a todo mundo que me ajudou a ser quem eu sou, minha família, em especial minha mãe, que sempre apoiou todas as minhas decisões, além de minha esposa e nosso filho Kauai. A meus grandes amigos de Olivença, no qual sinto bastante saudade. A meus mentores e grandes amigos da nossa imensa família surf, como Adalvo Argolo, Felipe Freitas, Mestre Macedo, meu parceiro eterno de viagem Bruno Galini, além do meu grande amigo e rival de sempre, Franklin Serpa. Aos grandes amigos e empresários do surf baiano, Chico Pac, Lalo Giudice, além de Ader Oliveira, esses caras não medem esforços pra fazer acontecer quando o assunto é surf. A todos meus amigos no Hawaii, que me abraçaram e me acolheram desde o dia que chegamos aqui em Maui, em especial meu grande amigo Yuri Soledade", agradeceu Rudá.

*O Surfbahia entrou em contato com algumas personalidades do surf baiano para saber dizer algo sobre o atleta.

Bruno Galini (Campeão baiano, nordestino e paulista profissional de surf ) - Pra mim o melhor surfista que já vi ao vivo, o maior talento que já existiu na Bahia. Obrigado por ser seu amigo e levantar meu nível, te amo irmão.

Bino Lopes (Campeão brasileiro de surf profissional, atleta da divisão de acesso do Circuito Mundial de Surf) - Quando comecei a competir aos 14 anos, Rudá já tinha um nível de surf muito alto na época, era o melhor surfista da Bahia e um dos melhores do Brasil. Me lembro dele já dominar as manobras aéreas e eu nem sonhava em fazer aquilo. Com certeza ele foi meu maior rival na época de amador, até porque eu era de Salvador e ele de Ilhéus e temos a mesma idade. E lembro de ter tomado muita porrada nas baterias contra ele e quando ganhava me sentia muito confiante. Rudá tem um talento que poucos tem, mesmo depois desse tempo sem competir, se ele tiver uma estrutura financeira e psicológica, ele seria ainda um forte candidato a entrar na elite do CT. Como pessoa um ser humano formidável, muito engraçado e totalmente fiel as pessoas que ama.

Gabriel Macedo (Manager e técnico de surf) - Fico até sem palavras pra tentar expressar o tamanho do talento de Rudá. Ele veio treinar comigo muito novo e sua irreverência nas manobras era sua marca registrada. Um talento natural com potencia para esta entre os melhores do mundo. Tudo pra ele era fácil, um atleta onde não havia condições ruins para surfar e surpreender. Sem dúvidas se tivesse tido oportunidade para tentar uma carreira no CT, teria sido ídolo internacional. Sabe aquele surfista acima da média e querido por todos? Esse era o Rudá Carvalho. Quando teve oportunidade, se apresentou muito bem no QS, mas por azar teve uma contusão séria. Mas, independente se ele fez uma carreira internacional ou não, pra mim será sempre referência, e o mais importante, é que mesmo fora das competições, sei que está feliz e vivendo um sonho. Mas podem ter certeza que ele é melhor que muitos que estão no Circuito Mundial. Um dos maiores talentos brasileiros, que não teve sorte de ter um grande patrocinador de bico. Meu filho para sempre.

Lalo Giudice (Produtor de eventos, ex surfista profissional e empresário) - Ficou muito difícil apontar um talento na Bahia depois de Rudá. O nível dele era algo estarrecedor e não havia um que não o apontasse como um futuro WCT. Hoje se aparece algum talento na Bahia você se pergunta: Sério, esse menino é bom? É porque você não viu Rudá Carvalho. Sem dúvida o maior talento que já vi na Bahia. Como pessoa, colaborador e atleta, fiel, amigo, honesto, incisivo e dono de um caráter ímpar, faz muita falta.

Marco Fernandez (Bi campeão baiano Pro, Vice campeão brasileiro Pro, atleta da divisão de acesso do Circuito Mundial de surf) - Rudá com certeza foi um dos caras mais talentosos que a Bahia já teve, principalmente pra minha geração, que era abaixo da dele. Tínhamos Rudá, Bino e Bruno, que influenciaram a nossa geração, mas Rudá com certeza chamava mais atenção pela radicalidade, super talento, sempre com manobras inovadoras. Pra falar a verdade eu sempre me inspirei em Rudá, pois além de ser um grande surfista, é um grande ser humano, somos amigos desde amador, além do que como profissional, tive oportunidade de viajar com ele no Circuito Mundial e Brasileiro por alguns anos e foi irado. Acredito que ele está dando um tempo pra respirar, estruturar a família, mas logo logo estará com a gente competindo novamente, 100%.

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