Dois lados da moeda
Editor comenta paradoxo de sermos uma potência na elite mundial ao mesmo tempo que enfrentamos uma crise nacional
A torcida brasileira ainda comemora a brilhante vitória de Gabriel Medina na primeira etapa do Circuito Mundial em Snapper Rocks, na Austrália.
Na verdade, foi um ótimo evento para os brasileiros, com todos surfando bem e mostrando que o ano vai ser de disputas acirradas no Tour.
Adriano de Souza foi outro brasileiro que começou o ano de forma fulminante, com uma final no WQS em Pipeline (4ºlugar), depois uma vitória no WQS 6 estrelas de Sydney, um terceiro lugar no 6 estrelas de Newcastle e um excelente terceiro lugar na etapa de abertura do WCT, onde venceu Kelly Slater duas vezes.
Matérias e reportagens exaltando a vitória de Medina e dos brasileiros em geral inundaram a mídia do surfe, muitas alçando o jovem talento brasileiro como forte candidato ao título mundial. Talvez seja cedo para prognósticos, vide Mineiro ano passado, que depois de vencer em Bells Beach e ser vice no Rio, não aguentou a pressão da corrida pelo título.
Interessante notar que saímos de meros codjuvantes para sermos os protagonistas da nova história do surfe mundial. Se pegarmos textos de 10 anos atrás, podemos observar um progresso em andamento documentado e nossa maior briga era pelo reconhecimento do resto do mundo para os feitos de nossos surfistas.
Escancaramos as portas e esfregamos na cara dos gringos nossas vitórias e conquistas. O Brasil está na moda, somos a tendência, somos o futuro.
Agora o mais interessante desse fenômeno, é olhar a situação do surfe no país. Como explicar o contraste absurdo de ser a maior potência do esporte e não termos um circuito nacional forte e com boa premiação? O circuito que um dia se gabou de ser o mais rico do mundo, com premiação de um milhão de reais e carro para o campeão brasileiro.
Os atletas sofrem com a falta de eventos no país, pois era uma forma de ganhar dinheiro e investir nas etapas do WQS fora do Brasil. Os circuitos regionais promovem algumas etapas, mas a incerteza ronda todos que trabalham nos campeonatos.
Além da incerteza, muitos atletas acabam perdendo patrocínio, e sem outra opção, acabam largando a carreira no esporte para tentar a sorte em outra profissão. Exemplos temos aos montes e a lista não para de aumentar.
Nunca acreditei em crise no mercado ou em um momento ruim da economia brasileira. Basta abrir o jornal e comprovar que a população consome cada dia mais e, com a popularização do esporte, portas para empresas de outros segmentos foram abertas, elevando o número de praticantes e admiradores, consequentemente, mais consumidores. Então, onde está o problema?
Numa recente entrevista para uma revista brasileira, o renomado jornalista australiano Nick Carrol, foi enfático ao dizer que o Brasil será a grande potência do esporte em alguns anos e que o inédito título mundial está muito perto. Entretanto, Nick chamou a atenção ao demonstrar preocupação ao modo como lidamos com nossos surfistas do passado.
Será que nomes como Pepê Lopes e Victor Ribas são lembrados como Mark Richards ou Michael Peterson são na Austrália? Muitos dos heróis e grandes surfistas foram aproveitados de alguma maneira nas marcas australianas e americanas, talvez esteja nisso o diferencial de mercado. É preciso levar em consideração também que muitos dos nossos surfistas não se atentaram e não se prepararam para talvez exercer um papel importante dentro de uma empresa.
Vivemos uma "crise" existencial na indústria, em que muitos negócios são gerenciados por pessoas que nunca subiram numa prancha.
Vitórias à parte, precisamos de humildade, educação e trabalho para podermos ser uma grande potência ou então, seremos lembrados como "Brazilian Storm", a tempestade que fez estragos e depois sumiu.