
Raízes do surf
Fabrício Fernandes cobra reconhecimento aos legends da Bahia e do Brasil
Por: Fabrício Fernandes
Um povo sem memória é um povo sem raízes, que não aprende com suas experiências, e nem honra, os heróis do passado.
Assim é o povo brasileiro. Toda a podridão que está acontecendo no Congresso em breve será esquecida, porque teremos assuntos mais “importantes” para nos preocuparmos, como a Olimpíada de Pequim, por exemplo.
Assim foi com as atrocidades dos militares, com Fernando Collor, e óbvio que com os esportes não seria diferente. Roberto Dinamite, João do Pulo e Aurélio Miguel são ilustres desconhecidos para as gerações atuais.
Imagine então como é a realidade do surf, esporte que possui estrutura e história infinitamente menores do que o futebol, atletismo e judô.
"Paulo o quê?!", dizia um garotão de 18 anos. "Paulo Matos? Não, nunca ouvi falar!". O primeiro campeão brasileiro da história da Abrasp. Aqueles que não são desmemoriados, como eu, vão lembrar da capa branca da revista Fluir estampada com o rosto do Paulinho, até então "do Tombo", contando sua gloriosa conquista.
Falando de memória, me enchi de alegria ao ver o incentivo para que esta não seja esquecida com a realização do campeonato brasileiro master. E o show foi garantido com os grandes ícones dos anos 80 - Jojó de Olivença e Ricardo Toledo, bicampeões brasileiros, Jairzinho, Teco, Bolha e outros.
Nomes como Pedro Müller, Paulo Matos, Joca Júnior, também campeões nacionais, devem ser eternamente lembrados, junto com outros monstros como Ricardo Tatuí - alguém lembra que em 1994 ele ganhou uma etapa do WCT na Europa e que surfava tanto quanto o Mineirinho surfa hoje?
Ricardo Bocão e Antônio Ricardo, do saudoso Realce (The Smiths na abertura!), Marcelo Bôscoli, Neno, Amaro, Fernando Bittencourt, Dadá Figueiredo, com seu surf que continua inovador e irreverente aos 40 anos, o garoto que arrastava multidões e transformava a praia em uma arena com torcedores fanáticos...
Será que alguém ainda lembra de Sérgio Noronha, o Fedelho? Ano de 1986, Hang Loose Pro Contest, Alfio Langnado, empresário visionário e proprietário da Hang Loose, aposta em trazer de volta o circuito mundial ao Brasil.
A etapa acontece em um mar de 6 a 8 pés perfeitos na praia da Joaquina, na paradisíaca ilha da magia, e meu sonho de moradia, Florianópolis! A final foi entre Occy (esse mesmo que está aí até hoje) e David Macaulay, sendo vencida por este último, e o Fedelho, na raça, varou toda a triagem (na época uma verdadeira batalha), chegando não só ao main event, mas nas quartas-de-final, terminando em quinto lugar. E também disputou as finais do histórico Mormaii de 1988 com 12 pés plus em Garopaba, demonstrando enorme bravura, junto com o guerreiro Taiu Bueno e outras feras.
Alguém lembra do acidente dele na Paúba? Falando do Fedelho, hoje ele é um corretor de imóveis. Será que algum grommet conhece essa história? Outros grandes nomes são Fernando Graça, Emerson Marinho e, principalmente, Cauli, Picuruta e Tinguinha Lima.
Há uns dois ou três anos, tive a agradável surpresa de receber um e-mail do Guiga falando de uma exposição que seria realizada no Shopping Barra, em Salvador, contando a história do surf na Bahia, aproveitando os fins de semanas dos campeonatos nordestino e Billabong Pro Teen para atingir um público maior.
Não pude deixar de comparecer e me deliciar com as lembranças dos campeonatos. Fico Surf Festival 88/89, com Jojó fazendo final, o Águia mostrando as garras, os famosos "cut tingas" e o sempre showman Dávio Correia Figueiredo.
Dois moleques já mostravam potencial, Mandinho e Spirro. Ricardo BC era back-fourteen, Marcos Boi com seus fortes cut backs lembrava Occy e Naldo Nogueira impressionava com o seu surf explosivo, estiloso e veloz.
Na década de 80, um outro campeonato marcou a cidade. O Bahia Pro Contest, com um mar bem grande no Pescador, cerca de 8 a 10 pés, em condições extremamente difíceis, vento maral e uma correnteza tão forte que os surfistas tinham que ser levados de moto, a um quilômetro de distância do palanque, para conseguirem entrar no mar no local correto.
Pegar uma onda já era uma vitória. Os garotos nem sonhavam em varar a arrebentação. Lembro do sufoco do Spirro (que levou esse apelido por ser magrinho), com 13 anos, tentando pegar as espumas no inside. Um dos únicos amadores a varar foi Gabriel Macedo, de Ilhéus, que com rasgadas potentes mostrava um surf muito sólido e bonito de se ver.
A final foi entre o cearense Cezar Picuréia e o niteroiense Ricardo Tatuí. O surfista do Rio de Janeiro mostrou por que era considerado uma das grandes promessas do surf nacional, não se initimidando com as condições difíceis e surfando com maestria.
Falando de Gabriel Macedo, não poderia deixar de citar a cidade de Ilhéus, celeiro de talentos explosivos como Culão, os irmãos Nora e os Argolo. Caroço, sem exagero, tinha uma batida de backside mortal, lembrando o tricampeão mundial Tom Curren.
Com uma costa vasta, Ilhéus brindava os apaixonados pelo surf com picos com todos os tipos de ondas. Jardim Atlântico, Milionários, Batuba, Backdoor, que, junto com Morro de São Paulo, foi a direita mais extensa que já surfei.
Ao norte tinha o Havaizinho, uma onda extremamente tubular, e, é claro, não poderia deixar de citar a praia da Avenida com os picos da Catedral, Central de Turismo, Gabriela e Espigão, este último com uma esquerda muito extensa.
Lembro de ainda garoto sentar na Central de Turismo, comendo o acarajé da Irene, e ficar apreciando o surf inovador daquela geração anos 80 de Ilhéus.
Aqueles que, como eu, tiveram o espírito de aventura e conheceram a inóspita Itacaré (esta é uma história para outro texto), tiveram o prazer de conhecer ondas virgens como a Prainha (era de graça e não tinha assaltos!), Engenhoca, Havaizinho ou mesmo surfar harmoniosamente na Tiririca ou Boca da Barra com nativos como Ronaldo Fadul.
No Billabong Gueto Square, também pude ver a história do grande Guiga, que tanto fez pelo surf baiano nos seus mais de trinta anos de contato com o oceano (lembro até da sua entrevista na extinta revista Swell), e lembrar de nomes como Railton Lemos, Samir Silva, Manoel Fernandez, Joe Silva, Maurício Abubakir, Papanel, o grande Carlão Moraes, Bonga e tantos outros.
Minha primeira prancha nova foi uma Blue Marlin. Quem não lembra da febre das pranchas com o logo do marlin azul? Quantas marcas fizeram a nossa história? Surfing Series, Manga Rosa, Aleluia, Quebra Côco, Dinamic Style, Stella Maris, entre tantas outras.
As memórias eram saudosas. Enquanto passeava pelo museu do surf baiano e via as antigas fishies, quadriquilhas e ficava pensando em como o surf evoluiu desde a época em que não se deixavam entrar prancha nos ônibus e chegar ao Sesc era uma grande aventura.
Não se tinha previsão de ondas e só sabíamos quem era o campeão mundial três meses depois, através das revistas especializadas, mas o feeling... Bom, este continua o mesmo, pelo menos para mim e caras como Guiga, eterno garoto que continua mandando muito bem.
Espero que nomes como Valdir Vargas, Penho, Pepê, Roberto Valério, Petit, Cauli, Paulinho do Tombo, Dadá, Tinguinha, Gabriel Macedo, Guiga Matos, Naldo Nogueira, Olímpio Batista, Nego Pom, entre tantos outros, não sejam esquecidos, porque se o surf atingiu este patamar em que está hoje, devemos tudo aos precursores.
Se realmente o Mineirinho chegar ao título mundial, ele deve agradecer a sua equipe e amigos, mas sempre lembrar de nomes como Fábio Martins Gouveia, Flávio Teco Padaratz, Alfio Langnado, Morongo, Victor Ribas, Tinguinha e Cauli, para que daqui a vinte anos ele também não ouça "Adriano, quem é?".
Um povo sem memória é um povo sem raiz. Nenhuma árvore se sustenta sem uma sólida raiz. Paz e educação na água!
Assim é o povo brasileiro. Toda a podridão que está acontecendo no Congresso em breve será esquecida, porque teremos assuntos mais “importantes” para nos preocuparmos, como a Olimpíada de Pequim, por exemplo.
Assim foi com as atrocidades dos militares, com Fernando Collor, e óbvio que com os esportes não seria diferente. Roberto Dinamite, João do Pulo e Aurélio Miguel são ilustres desconhecidos para as gerações atuais.
Imagine então como é a realidade do surf, esporte que possui estrutura e história infinitamente menores do que o futebol, atletismo e judô.
"Paulo o quê?!", dizia um garotão de 18 anos. "Paulo Matos? Não, nunca ouvi falar!". O primeiro campeão brasileiro da história da Abrasp. Aqueles que não são desmemoriados, como eu, vão lembrar da capa branca da revista Fluir estampada com o rosto do Paulinho, até então "do Tombo", contando sua gloriosa conquista.
Falando de memória, me enchi de alegria ao ver o incentivo para que esta não seja esquecida com a realização do campeonato brasileiro master. E o show foi garantido com os grandes ícones dos anos 80 - Jojó de Olivença e Ricardo Toledo, bicampeões brasileiros, Jairzinho, Teco, Bolha e outros.
Nomes como Pedro Müller, Paulo Matos, Joca Júnior, também campeões nacionais, devem ser eternamente lembrados, junto com outros monstros como Ricardo Tatuí - alguém lembra que em 1994 ele ganhou uma etapa do WCT na Europa e que surfava tanto quanto o Mineirinho surfa hoje?
Ricardo Bocão e Antônio Ricardo, do saudoso Realce (The Smiths na abertura!), Marcelo Bôscoli, Neno, Amaro, Fernando Bittencourt, Dadá Figueiredo, com seu surf que continua inovador e irreverente aos 40 anos, o garoto que arrastava multidões e transformava a praia em uma arena com torcedores fanáticos...
Será que alguém ainda lembra de Sérgio Noronha, o Fedelho? Ano de 1986, Hang Loose Pro Contest, Alfio Langnado, empresário visionário e proprietário da Hang Loose, aposta em trazer de volta o circuito mundial ao Brasil.
A etapa acontece em um mar de 6 a 8 pés perfeitos na praia da Joaquina, na paradisíaca ilha da magia, e meu sonho de moradia, Florianópolis! A final foi entre Occy (esse mesmo que está aí até hoje) e David Macaulay, sendo vencida por este último, e o Fedelho, na raça, varou toda a triagem (na época uma verdadeira batalha), chegando não só ao main event, mas nas quartas-de-final, terminando em quinto lugar. E também disputou as finais do histórico Mormaii de 1988 com 12 pés plus em Garopaba, demonstrando enorme bravura, junto com o guerreiro Taiu Bueno e outras feras.
Alguém lembra do acidente dele na Paúba? Falando do Fedelho, hoje ele é um corretor de imóveis. Será que algum grommet conhece essa história? Outros grandes nomes são Fernando Graça, Emerson Marinho e, principalmente, Cauli, Picuruta e Tinguinha Lima.
Há uns dois ou três anos, tive a agradável surpresa de receber um e-mail do Guiga falando de uma exposição que seria realizada no Shopping Barra, em Salvador, contando a história do surf na Bahia, aproveitando os fins de semanas dos campeonatos nordestino e Billabong Pro Teen para atingir um público maior.
Não pude deixar de comparecer e me deliciar com as lembranças dos campeonatos. Fico Surf Festival 88/89, com Jojó fazendo final, o Águia mostrando as garras, os famosos "cut tingas" e o sempre showman Dávio Correia Figueiredo.
Dois moleques já mostravam potencial, Mandinho e Spirro. Ricardo BC era back-fourteen, Marcos Boi com seus fortes cut backs lembrava Occy e Naldo Nogueira impressionava com o seu surf explosivo, estiloso e veloz.
Na década de 80, um outro campeonato marcou a cidade. O Bahia Pro Contest, com um mar bem grande no Pescador, cerca de 8 a 10 pés, em condições extremamente difíceis, vento maral e uma correnteza tão forte que os surfistas tinham que ser levados de moto, a um quilômetro de distância do palanque, para conseguirem entrar no mar no local correto.
Pegar uma onda já era uma vitória. Os garotos nem sonhavam em varar a arrebentação. Lembro do sufoco do Spirro (que levou esse apelido por ser magrinho), com 13 anos, tentando pegar as espumas no inside. Um dos únicos amadores a varar foi Gabriel Macedo, de Ilhéus, que com rasgadas potentes mostrava um surf muito sólido e bonito de se ver.
A final foi entre o cearense Cezar Picuréia e o niteroiense Ricardo Tatuí. O surfista do Rio de Janeiro mostrou por que era considerado uma das grandes promessas do surf nacional, não se initimidando com as condições difíceis e surfando com maestria.
Falando de Gabriel Macedo, não poderia deixar de citar a cidade de Ilhéus, celeiro de talentos explosivos como Culão, os irmãos Nora e os Argolo. Caroço, sem exagero, tinha uma batida de backside mortal, lembrando o tricampeão mundial Tom Curren.
Com uma costa vasta, Ilhéus brindava os apaixonados pelo surf com picos com todos os tipos de ondas. Jardim Atlântico, Milionários, Batuba, Backdoor, que, junto com Morro de São Paulo, foi a direita mais extensa que já surfei.
Ao norte tinha o Havaizinho, uma onda extremamente tubular, e, é claro, não poderia deixar de citar a praia da Avenida com os picos da Catedral, Central de Turismo, Gabriela e Espigão, este último com uma esquerda muito extensa.
Lembro de ainda garoto sentar na Central de Turismo, comendo o acarajé da Irene, e ficar apreciando o surf inovador daquela geração anos 80 de Ilhéus.
Aqueles que, como eu, tiveram o espírito de aventura e conheceram a inóspita Itacaré (esta é uma história para outro texto), tiveram o prazer de conhecer ondas virgens como a Prainha (era de graça e não tinha assaltos!), Engenhoca, Havaizinho ou mesmo surfar harmoniosamente na Tiririca ou Boca da Barra com nativos como Ronaldo Fadul.
No Billabong Gueto Square, também pude ver a história do grande Guiga, que tanto fez pelo surf baiano nos seus mais de trinta anos de contato com o oceano (lembro até da sua entrevista na extinta revista Swell), e lembrar de nomes como Railton Lemos, Samir Silva, Manoel Fernandez, Joe Silva, Maurício Abubakir, Papanel, o grande Carlão Moraes, Bonga e tantos outros.
Minha primeira prancha nova foi uma Blue Marlin. Quem não lembra da febre das pranchas com o logo do marlin azul? Quantas marcas fizeram a nossa história? Surfing Series, Manga Rosa, Aleluia, Quebra Côco, Dinamic Style, Stella Maris, entre tantas outras.
As memórias eram saudosas. Enquanto passeava pelo museu do surf baiano e via as antigas fishies, quadriquilhas e ficava pensando em como o surf evoluiu desde a época em que não se deixavam entrar prancha nos ônibus e chegar ao Sesc era uma grande aventura.
Não se tinha previsão de ondas e só sabíamos quem era o campeão mundial três meses depois, através das revistas especializadas, mas o feeling... Bom, este continua o mesmo, pelo menos para mim e caras como Guiga, eterno garoto que continua mandando muito bem.
Espero que nomes como Valdir Vargas, Penho, Pepê, Roberto Valério, Petit, Cauli, Paulinho do Tombo, Dadá, Tinguinha, Gabriel Macedo, Guiga Matos, Naldo Nogueira, Olímpio Batista, Nego Pom, entre tantos outros, não sejam esquecidos, porque se o surf atingiu este patamar em que está hoje, devemos tudo aos precursores.
Se realmente o Mineirinho chegar ao título mundial, ele deve agradecer a sua equipe e amigos, mas sempre lembrar de nomes como Fábio Martins Gouveia, Flávio Teco Padaratz, Alfio Langnado, Morongo, Victor Ribas, Tinguinha e Cauli, para que daqui a vinte anos ele também não ouça "Adriano, quem é?".
Um povo sem memória é um povo sem raiz. Nenhuma árvore se sustenta sem uma sólida raiz. Paz e educação na água!
PUBLICIDADE