
A onda e seu preço
Fabrício Fernandes relembra swell que levantou a Bahia em agosto de 2007
Por: Fabrício Fernandes
Coincidência ou não, logo depois de ocorrer o fato que narro abaixo, li na Fluir a história dos dez surfistas que morreram no mar. E lá estava uma das célebres frases que sempre martelam minha mente: “Se você quer a sensação máxima, tem que estar preparado para pagar o preço máximo” (Mark Foo).
Sempre persegui essa sensação máxima. Pratiquei rapel, rafting, trilhas, corridas, mountain bike, travessias a nado, mergulho, vôo livre, skate, sandboard, patins, canoagem e pára-quedismo.
Mas o surf sempre foi minha paixão, meu êxtase, minha dependência! Não dou a mínima a churrascos, futebol, forrós, shopping centers, carros do ano, maconha, álcool e porcarias do gênero... O Nirvana está no mar. No ato de dropar uma onda, no sentimento simbiótico com a natureza. É como a soul music, a sensação máxima!
Sempre falei que se morresse no mar estaria feliz, e sempre busquei o meu limite. Encarei a praia da Vila, em Saquarema, com 8 a 10 pés em 89 com apenas um ano de surf. No ano passado, uma ressaca de 10 pés fechando tudo na Barra da Tijuca. E sempre que o mar sobe aqui em Salvador (coisa rara!), lá estou eu com minha cordinha nove pés e a minha (gunzeira?) 6´4.
Gosto de ondas um pouco maiores, me sinto bem quando o mar sobe. Acho que o surf só começa acima dos 6 pés. “Vôozinhos” em merrecas de dois a três pés com mais três caras disputando a mesma onda? Estou fora!
Apesar de ter encarado algumas situações bem difíceis, como os swells de junho de 98, maio de 2001 e novembro de 2006, nunca me considerei um big rider. Ondas de 8 a 10 pés não fazem big riders! (Se não, o que seriam Monster e Danilo Couto?)
E mesmo com toda a minha preparação física de meias maratonas e travessias de natação, sempre soube que até os super homens caem do cavalo!
Sexta-feira, 10 de agosto de 2007 - Quinze horas em ponto. Vento Sul em torno de 20 a 30 quilômetros por hora, dia nublado, swell de Sudeste virando para Leste com ondulação de 8 pés (a bóia marcava 10 a 12 pés com período de 9,7 seg).
Após checar as condições de diversos picos da região, constatei um desses caprichos da natureza. Na grande maioria dos locais quebrava ondas de no máximo 6 pés, deformadas pelo vento, mas em uma laje mais para dentro, em frente ao kartódromo de Ipitanga, antes do Dezoito, pude ver umas ondas sólidas de 8 a 10 pés que abriam.
Eu e o Gilmar entramos no mar, e apesar de ele ter tomado algumas ondas bem pesadas na cabeça, não chegamos a ter grandes problemas para varar a arrebentação. Lá dentro me veio a mesma pergunta de sempre: onde está a multidão quando o mar cresce?
Sem tempo para pensar na resposta, dropei uma direita com uns 8 pés e mandei alguns cutbacks. Mas a segunda onda é que foi o êxtase. Uma esquerda que devia ter uns 10 pés. Despenquei de costas para a onda, rezando para a rabeta não desgarrar. Foi um drop muito longo, seguido de vários cutbacks e voltando rapidinho, comemorando por não tomar nenhuma série na cabeça. Era cedo demais para comemorar!
Sentado um pouco mais para fora do pico do que Gilmar, vi uma série grande subir. Consegui passar as duas primeiras, que deveriam ter 8 pés. O meu amigo não teve a mesma sorte. Após o impacto das duas ondas, fiquei procurando por ele no meio de todo aquele espumeiro (como seria bom ter um jet-ski nessa hora). Depois de longos segundos, já quase na beira, finalmente ele emergiu e me fez sinal de que estava tudo bem. Virei minha prancha novamente para o fundo e dei de cara com algo que poucas vezes tinha visto na minha vida, uma massa de água que mais parecia uma muralha entre 10, talvez 12 pés, e em seu ponto crítico, pronta para fazer picadinho de mim...
Sinceramente, quando entro na água e vejo as pessoas comentando o tamanho do mar, percebo que parecem histórias de pescador. Sempre esticam as ondas em dois ou três pés, e por isso me acostumei a fazer o contrário. Mas essa era a rainha; arrisco dizer, sem medo, que foi a maior do dia.
Já havia visto ondas daquele tamanho na ressaca da Barra da Tijuca, em Saquarema e até uma ou duas vezes em 20 anos de surf aqui em Salvador. Mas nunca havia estado naquela situação, bem no crítico, na zona de impacto.
Remei muito forte para cima dela, mas percebi que não daria para passar, então parei e esperei o inevitável, porque não queria voltar com o lip como o Donnie Solomon. Enchi os pulmões de ar, soltei a prancha e pedi muita ajuda a Deus para a minha cordinha não partir.
Enquanto era sacudido que nem um boneco em uma máquina de lavar, só pensava em manter a calma para economizar ar e também rezava para não haver outra na série.
Quando finalmente subi, agradeci muito por estar vivo, com minha prancha e, principalmente, por a onda ter me arremessado para fora da zona de impacto.
Ainda entrei de novo, desci uma esquerda grande, e uma hora depois, junto com Fábio, que chegou depois, saí do mar pensando no Greg Noll e a vaca em Makaha que o fez deixar de surfar.
Mark Foo pagou o preço máximo. Eu poderia ter pago o preço máximo, como também muitos outros que já estiveram na mesma situação pagaram, ou que como eu, simplesmente tiveram sorte.
Descobri que decididamente não ficarei feliz se morrer no mar. Quero morrer bem velho, cheio de histórias para contar (espero que não outra dessas... rsrsrsrs).
Não parei de surfar, nem pretendo. Continuo buscando meu limite, mas com muita humildade, pois não sou big rider e sei que dentro do mar estamos nas mãos de Deus.
Obs: este texto estava “engavetado” desde o dia 11 de agosto de 2007 porque infelizmente só eu, Gilmar e Fábio estávamos no mar e não tínhamos nenhuma foto para comprovar o tamanho das ondas. Mas qual não foi a minha surpresa ao ver na Fluir uma foto do Hudson Melo dropando uma esquerda imensa no Farol de Itapuã nesse mesmo dia? E ainda concorrendo ao prêmio Greenish de maior onda surfada no Brasil!
Quando surgir outro swell desses não terei dúvida, vou contratar um fotógrafo...
Sempre persegui essa sensação máxima. Pratiquei rapel, rafting, trilhas, corridas, mountain bike, travessias a nado, mergulho, vôo livre, skate, sandboard, patins, canoagem e pára-quedismo.
Mas o surf sempre foi minha paixão, meu êxtase, minha dependência! Não dou a mínima a churrascos, futebol, forrós, shopping centers, carros do ano, maconha, álcool e porcarias do gênero... O Nirvana está no mar. No ato de dropar uma onda, no sentimento simbiótico com a natureza. É como a soul music, a sensação máxima!
Sempre falei que se morresse no mar estaria feliz, e sempre busquei o meu limite. Encarei a praia da Vila, em Saquarema, com 8 a 10 pés em 89 com apenas um ano de surf. No ano passado, uma ressaca de 10 pés fechando tudo na Barra da Tijuca. E sempre que o mar sobe aqui em Salvador (coisa rara!), lá estou eu com minha cordinha nove pés e a minha (gunzeira?) 6´4.
Gosto de ondas um pouco maiores, me sinto bem quando o mar sobe. Acho que o surf só começa acima dos 6 pés. “Vôozinhos” em merrecas de dois a três pés com mais três caras disputando a mesma onda? Estou fora!
Apesar de ter encarado algumas situações bem difíceis, como os swells de junho de 98, maio de 2001 e novembro de 2006, nunca me considerei um big rider. Ondas de 8 a 10 pés não fazem big riders! (Se não, o que seriam Monster e Danilo Couto?)
E mesmo com toda a minha preparação física de meias maratonas e travessias de natação, sempre soube que até os super homens caem do cavalo!
Sexta-feira, 10 de agosto de 2007 - Quinze horas em ponto. Vento Sul em torno de 20 a 30 quilômetros por hora, dia nublado, swell de Sudeste virando para Leste com ondulação de 8 pés (a bóia marcava 10 a 12 pés com período de 9,7 seg).
Após checar as condições de diversos picos da região, constatei um desses caprichos da natureza. Na grande maioria dos locais quebrava ondas de no máximo 6 pés, deformadas pelo vento, mas em uma laje mais para dentro, em frente ao kartódromo de Ipitanga, antes do Dezoito, pude ver umas ondas sólidas de 8 a 10 pés que abriam.
Eu e o Gilmar entramos no mar, e apesar de ele ter tomado algumas ondas bem pesadas na cabeça, não chegamos a ter grandes problemas para varar a arrebentação. Lá dentro me veio a mesma pergunta de sempre: onde está a multidão quando o mar cresce?
Sem tempo para pensar na resposta, dropei uma direita com uns 8 pés e mandei alguns cutbacks. Mas a segunda onda é que foi o êxtase. Uma esquerda que devia ter uns 10 pés. Despenquei de costas para a onda, rezando para a rabeta não desgarrar. Foi um drop muito longo, seguido de vários cutbacks e voltando rapidinho, comemorando por não tomar nenhuma série na cabeça. Era cedo demais para comemorar!
Sentado um pouco mais para fora do pico do que Gilmar, vi uma série grande subir. Consegui passar as duas primeiras, que deveriam ter 8 pés. O meu amigo não teve a mesma sorte. Após o impacto das duas ondas, fiquei procurando por ele no meio de todo aquele espumeiro (como seria bom ter um jet-ski nessa hora). Depois de longos segundos, já quase na beira, finalmente ele emergiu e me fez sinal de que estava tudo bem. Virei minha prancha novamente para o fundo e dei de cara com algo que poucas vezes tinha visto na minha vida, uma massa de água que mais parecia uma muralha entre 10, talvez 12 pés, e em seu ponto crítico, pronta para fazer picadinho de mim...
Sinceramente, quando entro na água e vejo as pessoas comentando o tamanho do mar, percebo que parecem histórias de pescador. Sempre esticam as ondas em dois ou três pés, e por isso me acostumei a fazer o contrário. Mas essa era a rainha; arrisco dizer, sem medo, que foi a maior do dia.
Já havia visto ondas daquele tamanho na ressaca da Barra da Tijuca, em Saquarema e até uma ou duas vezes em 20 anos de surf aqui em Salvador. Mas nunca havia estado naquela situação, bem no crítico, na zona de impacto.
Remei muito forte para cima dela, mas percebi que não daria para passar, então parei e esperei o inevitável, porque não queria voltar com o lip como o Donnie Solomon. Enchi os pulmões de ar, soltei a prancha e pedi muita ajuda a Deus para a minha cordinha não partir.
Enquanto era sacudido que nem um boneco em uma máquina de lavar, só pensava em manter a calma para economizar ar e também rezava para não haver outra na série.
Quando finalmente subi, agradeci muito por estar vivo, com minha prancha e, principalmente, por a onda ter me arremessado para fora da zona de impacto.
Ainda entrei de novo, desci uma esquerda grande, e uma hora depois, junto com Fábio, que chegou depois, saí do mar pensando no Greg Noll e a vaca em Makaha que o fez deixar de surfar.
Mark Foo pagou o preço máximo. Eu poderia ter pago o preço máximo, como também muitos outros que já estiveram na mesma situação pagaram, ou que como eu, simplesmente tiveram sorte.
Descobri que decididamente não ficarei feliz se morrer no mar. Quero morrer bem velho, cheio de histórias para contar (espero que não outra dessas... rsrsrsrs).
Não parei de surfar, nem pretendo. Continuo buscando meu limite, mas com muita humildade, pois não sou big rider e sei que dentro do mar estamos nas mãos de Deus.
Obs: este texto estava “engavetado” desde o dia 11 de agosto de 2007 porque infelizmente só eu, Gilmar e Fábio estávamos no mar e não tínhamos nenhuma foto para comprovar o tamanho das ondas. Mas qual não foi a minha surpresa ao ver na Fluir uma foto do Hudson Melo dropando uma esquerda imensa no Farol de Itapuã nesse mesmo dia? E ainda concorrendo ao prêmio Greenish de maior onda surfada no Brasil!
Quando surgir outro swell desses não terei dúvida, vou contratar um fotógrafo...
PUBLICIDADE