Tempos de discórdia

Alexandre Piza levanta um debate sobre a qualidade das ondas na Bahia


 "Quando você se lembra, em Salvador, de um dia todo de terral?", questiona Alexandre Piza. Foto: Erick Tedy.


O que é qualidade de vida para você? Qual o seu padrão de beleza? O que é um mar de ondas boas, ruins ou excelentes? Até que ponto vale entrar em uma discussão com pessoas que tem opiniões diferentes das suas?

Existem situações de comum acordo, incontestáveis. Mentawai, Angelina Jolie, condições financeiras bem confortáveis, ilustram fatores que 100 entre 100 concordam, mas, e quando nos deparamos com as diferenças de visões, de opiniões?

Em tempos difíceis, onde em Salvador tivemos um inverno passado terrível de ondas, com frentes frias ininterruptas que castigaram as bancadas, um vento maral impiedoso, um verão com raros swells e um outono agora com poucas horas de surf de qualidade, parece que a galera tem mais dado atenção às polêmicas envolvendo temas antigos, porém delicados, do que propriamente ficado contente com o surf. Todos estão com os nervos à flor da pele.

Bom, um hábito comum, mas que classifico como muito equivocado, é classificar um mar em que você se deu bem, com um mar de ondas boas. Acertar suas batidas e rasgadas em um mar regular ou ruim e dizer que estava “bom” é digno daquele personagem sem noção que costumo sempre destacar nos textos.

Na semana passada, o SurfBahia postou no Instagram uma foto antiga (veja abaixo), de um super mar clássico há mais de 10 anos, e o campeão mundial Adriano de Souza fez um comentário real, mas que foi interpretado por alguns poucos internautas como uma “ofensa” à Bahia. O top foi crucificado em alguns comentários e a galera começou a desenterrar mares memoráveis, porém raros, em nosso litoral.

Para um cara como ele, que está acostumado a surfar as melhores ondas do mundo, realmente contar com esses lampejos de mares bons por aqui é contar mesmo com a sorte. São visões particulares e achei bem exagerada a reação de alguns.

Não faz sentido compararmos a bagagem de um profissional de primeira linha, rodado, a de um free surfer com orçamento mais limitado.

Será que não estamos sendo patriotas e cabeça fechada demais? Afinal, ele disse que garante que em uma trip de poucos dias em J-Bay você encontra um mar como aquele, e que aqui na Bahia isso seria loteria e praticamente impossível. O que tem de irreal nisso?

Qual o problema em não sermos humildes?

Quando você se lembra, em Salvador, de um dia todo de terral? Já houve? Não me recordo.

Quantos dias unânimes de ser um dia clássico de onda temos por mês? Nos últimos tempos, talvez um, dois? Nenhum?

Sabemos que aqui existem bancadas como talvez em nenhuma cidade do Brasil. Mas, em Salvador, não temos morros para segurar o vento, e praticamente todas as praias são voltadas para o mesmo quadrante.

Bastou uma brisa leve para que o mar mais pareça uma superfície de uma pista de motocross do que de água lisa para as pranchas deslizarem com harmonia.

Água quente e clara, meio metro mexido, não é unanimidade nem aqui, nem na China, desculpem.

Quando se viaja para fora daqui - não precisa nem ser para fora do Brasil -, a tendência é que você surfe bem melhor do que o normal. Pode ter certeza: quem surfa bem em Salvador, vai surfar bem em qualquer onda do Brasil, claro, desde que a pressão e tamanho não ultrapassem o limite de cada um.

As ondas daqui, a força d’água, as correntezas, o posicionamento malicioso e guloso do crowd, a disposição em remar em qualquer coisa que envergue parecendo uma onda, são uma escolinha e tanto para surfar bem em outros picos.

Claro, já que tocamos no crowd, vamos deixar claro e evidente que é incrível como a maioria das pessoas são dentro da água, como são fora. Isso é refletido no trânsito também, pode reparar. O cara fominha, mal intencionado, que faz mil voltinhas, rabeia geral, etc, é aquele cara que é assim fora da água também. Não xinguem, admitam que é a real. Triste, mas é a real.

Aquele cara boa praça, educado, consciente, surfa, dirige e se comporta bem melhor dentro e fora d’água.

Outro evento que chamou a atenção da mídia do surf nestes últimos dias foi a treta do Jessé Mendes com Mikey Wright. Ser mala não é um privilégio nosso não, não mesmo. Quem já viajou pra fora sabe que o brasileiro chama muito a atenção por ser "sem noção" e achar que o mundo tem que se curvar às nossas vontades, mas tem muita, muita gente mesmo, de outras nacionalidades, que tem representantes desse calibre.

Jessé, que é conhecido como um cara pacato, perdeu a paciência e foi tirar satisfação com o gringo, quase partindo para as vias de fato. Quando as atitudes chegam nesse ponto, é porque a situação realmente saiu do controle.

E é aí o ponto: tem muita situação saindo do controle.

Tem uma galera enfrentando leis básicas de educação. Tem uma galera perdida nas redes sociais querendo virar blogueirinho sem saber exatamente o que está fazendo, colocando informações erradas e tudo mais.

Um exemplo é uma página no Instagram que está fazendo vídeos diários do Secret, Corrente e Padang. A tábua de maré esteve errada durante meses. Os locais da Corrente estão enfurecidos com a exposição diária do pico, e isso dará problema cedo ou tarde.

Nada “contra”, cada um faz o seu “trabalho” da forma que achar melhor, mas códigos de conduta estão sendo quebrados em nome de objetivos que nem são claros por quem sabe que o surf é frágil, que depende de uma série de fatores sadios para que a paz seja mantida nas areias, na água e, agora, nas redes sociais.

Educação, humildade e bom senso são fundamentais para enfrentarmos o inverno que vem por aí. Claro, e muita fé para que entre uma frente fria e outra haja aquelas “pausas” na ventania, para que tenhamos ondas excelente nas bancadas abençoadas da orla.

Quem sabe assim os ânimos esfriam e a paz volte a reinar na alma salgada de todos.


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